terça-feira, 18 de outubro de 2011

Biografia do ‘’Maior de todos": A vida de um dos melhores autores da literatura brasileira que revolucionou a linguagem.

Que nasci no ano de 1908, você já sabe. Você não deveria me pedir mais dados numéricos. Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não deveria ser crucificada em anos. As aventuras não têm princípio nem fim. E meus livros são aventuras; para mim são minha maior aventura’’
João Guimarães Rosa (1908-1967)


Infância


João Guimarães Rosa nasceu em 27 de junho de 1908 na cidade de Cordisburgo(MG)
Era o primeiro dos seis filhos de dona Francisca Guimarães e de Florduarto Pinto rosa, comerciante e contador de histórias
Aos 7 anos,Rosa já mostrava seus traços de genialidade pois aprendeu a ler francês e pouco tempo depois,holandês através de um frade franciscano
Estudou no colégio Arnaldo, o mesmo no qual estudou Carlos Drummond de Andrade. Nessa escola também aprendeu alemão

‘’Não gosto de falar em infância. É um tempo de coisas boas, mas sempre com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo, estragando os prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá excesso de adultos, todos eles, os mais queridos, ao modo de policiais do invasor, em terra ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então. Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia. Mas, tempo bom, de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como personagem, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas."

Carreira médica e diplomática

Em 1925 matricula-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais e 4 anos depois ingressa na carreira de médico.Em 1929,inicia sua carreira literária através da publicação de 4 contos durante um concurso literário da revista ‘’O Cruzeiro’’Passa a exercer a profissão de médico na cidade de Itaguara,região de Itaúna(MG) e passou a ser relacionar com essa comunidade,tratando os mais pobres e marginalizados e conhecendo o espírita Manuel Rodrigues de Carvalho,conhecido como’’ Seu Nequinha’’,cuja pessoa foi inspiração de Rosa na construção da personagem Comadre meu Quelemém de o Grande Sertão:Veredas.
Porém na década de 30,Guimarães Rosa abandona o exercício da medicina pelo grande talento lingüístico que tinha e por não conseguir evitar que muitas pessoas morressem de lepra.Sobre o fim da carreira de médico o autor fala:
‘’Não nasci para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre ‘après avoir couché avec...’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material – só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez – nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.”
Presta outros concursos literários, publicando o conto Magna em 1936.Nessa época passa a exercer a carreira diplomática,tendo viajado para vários países como cônsul,entre eles a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial,tendo ajudado vários judeus a escaparem do holocausto de Hitler,que rendeu á Guimarães e sua mulher uma homenagem de Israel na década de 80 pela ajuda aos judeus.
Depois da Segunda Guerra mundial, Guimarães Rosa continuou com os trabalhos diplomáticos e publicou em 1946 o seu primeiro livro: Sagarana,obra que trata da vida rural de Minas Gerais,mais precisamente a cidade natal do escritor,Cordisburgo,onde Rosa revoluciona o regionalismo,fundindo o neologismo(palavras inventadas)com a linguagem popular do povo.
Em 1952, Guimarães começa a compreender os costumes da vida sertaneja, as crenças, as músicas, a fauna e a flora através da viagem de dez dias que realiza juntamente com um grupo de vaqueiros.
Tal conhecimento,juntamente com a arte de inventar palavras,levou Guimarães rosa a publicar em 1956,sua principal obra:Grande Sertão:Veredas,que o faz ser um autor de sucesso.
Diante de todo esse sucesso,foi considerado como um dos maiores autores da literatura brasileira ao lado de Machado de Assis pelos críticos literários Antonio Candido e Alfredo Bosi.
Rosa toma a cadeira na Academia Brasileira de letras em 1963,mas adiou a posse o quanto pode,pois o supersticioso Rosa,achava que iria morrer no dia da posse,que por causa disso se deu em 1967.E não é que Rosa estava certo?:três depois da posse morreu de infarto,em 19 de novembro de 1967.




  Posse de Rosa em 1967 na Academia Brasileira de letras









 Guimarães foi um autor que valorizou o sertão mineiro.













Características de Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa é um dos autores de ficção experimental da prosa da terceira geração do modernismo,caracterizada pela experimentação poética que abandona as características da poesia de 22 como o humor na poesia,para migrar para uma poesia de perfeição da forma,justificada pela simetria dos versos e do uso de neologismos como os de Rosa. É geração que apesar de ser modernista,pode ser chamada de neoparnasiana,que objetivava a construção de um poema sério e equilibrado.
A obra de Rosa é extremamente inovadora e original. Havia o uso do neologismos em suas obras(a arte de inventar palavras) que o autor utilizava em seu regionalismo,onde descrevia o sertão mineiro representado principalmente pelos jagunços(bandos de soldados,como os cangaceiros na Região Nordeste),saindo da linguagem inteiramente cotidiana e do sertão ‘’superficial’’(as particularidades e cotidiano de povo),para uma linguagem nutrida pela fusão da erudição,da formalidade(neologismos) com a linguagem popular,modificando radicalmente o regionalismo na literatura.
O regionalismo de Rosa pode ser classificado como universal pois sertão rosiano não é apenas um simples sertão. O sertão rosiano é o próprio mundo dos personagens,não um lugar que causa a miséria,a pobreza dos personagens como os de Graciliano Ramos,e sim um lugar ideal para a reflexão psicológica dos personagens de Rosa sobre o existencialismo da vida,sobre temas ambíguos que estão presentes em todos os homens(como a existência do diabo,ou de Deus;). Ou seja,seus personagens não serão enxergados apenas pelo seu costumes,e sim também pelos seus conflitos internos e sentimentos. Com isso o sertão de Rosa será um universo mítico e supersticioso,seus personagens terão crenças politeístas e serão umbandistas e espíritas.O linguajar de Rosa será uma mistura do real,do irreal e universal.

Prosa de Rosa
Guimarães Rosa aboliu a diferença que a prosa tinha com a poesia, em seus textos ele apresenta estruturas como as rimas, aliterações, onomatopéias etc. Na sua obra se preocupa mais com o conteúdo do que em como é feito, através de funções ortográficas, fazendo a escrita se aproximar do ritmo da fala com travessões, reticências, exclamações, interrogações e, muitas vezes, vírgulas que separam sujeito e predicado, o que evidencia o rompimento do autor com os padrões gramaticais tradicionais, para aderir a uma estética da liberdade. Todo esse trabalho com a linguagem confere mais força ao imaginário mágico criado em suas "estórias’’.Também, Rosa trouxe uma prosa que abandona as ações dos personagens,para valorizar os estados mentais e as suas reações.

“Suas lágrimas corriam atrás dela, como formiguinhas brancas” 

"Nunca tivera ela amantes! Não um. Não dois. Disse-se e dizia isso Jó Joaquim. Reportava a lenda a embustes, falsas lérias escabrosas. Cumpria-lhe descaluniá-la, obrigava-se por tudo. Trouxe à boca de cena do mundo, de caso raso o que fora tão claro como água suja. Demonstrando-o, amatemático,  contrário ao público pensamento e à lógica, desde que Aristóteles a fundou."  Conto "Desenredo"

Quebra-se as barreiras temporais e com isso há uma perca da noção do tempo. A estrutura temporal continua com os elementos da narrativa e ao mesmo tempo funde com a intemporalidade própria da poesia






O artista ordena o caos (in Grande Sertão: Veredas)
Olhe: conto ao senhor. Se diz que, no bando de Antônio Dó, tinha um grado jagunço, bem remediado de posses - Davidão era o nome dêle. Vai, um dia, coisas dessas que às vêzes acontecem, êsse Davidão pegou a ter mêdo de morrer. Safado, pensou, propôs êste trato a um outro, pobre dos mais pobres, chamado Faustino: o Davidão dava a êle dez contos de réis, mas, em lei de caborje — invisível no sobrenatural — chegasse primeiro o destino do Davidão morrer em combate, então era o Faustino quem morria, em vez dêle. E o Faustino aceitou, recebeu, fechou. Parece que, com efeito, no poder de feitiço do contrato êle muito não acreditava. Então, pelo seguinte, deram um grande fogo, contra os soldados do Major Alcides do Amaral, sitiado forte em São Francisco. Combate quando findou, todos os dois estavam vivos, o Davidão e o Faustino. A de ver ? Para nenhum dêles não tinha chegado a hora-e-dia. Ah, e assim e assim foram, durante os meses, escapos, alteração nenhuma não havendo; nem feridos êles não saíam...Que tal, o que o senhor acha? Pois, mire e veja: isto mesmo narrei a um rapaz de cidade grande, muito inteligente, vindo com outros num caminhão, para pescarem no Rio. Sabe o que o môço me disse? Que era assunto de valor, para se compor uma estória em livro. Mas que precisava de um final sustante!, caprichado. O final que êle daí imaginou, foi um: que, um dia, o Faustino pegava também a ter mêdo, queria revogar o ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão não aceitava, não queria, por forma nenhuma. Do discutir, ferveram nisso, ferravam numa luta corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia, os dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso, por sua própria mão dêle, a faca cravava no coração do Faustino, que falecia...
Apreciei demais essa continuação inventada. A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta instrução não concebe! Aí podem encher êste mundo de outros movimentos, sem os êrros e volteios da vida em sua lerdeza de sarrafaçar. A vida disfarça? Por exemplo. Disse isso ao rapaz pescador, a quem sincero louvei. E êle me indagou qual tinha sido o fim, na verdade de realidade, de Davidão e Faustino. O fim? Quem sei. Soube sòmente só que o Davidão resolveu deixar a jagunçagem - deu baixa do bando, e, com certas promessas, de ceder uns alqueires de terra, e outras vantagens de mais pagar, conseguiu do Faustino dar baixa também, e viesse morar perto dêle, sempre. Mais dêles, ignoro. No real da vida, as coisas acabam com menos formato, nem acabam. Melhor assim. Pelejar por exato, dá êrro contra a gente. Não se queira. Viver é muito perigoso...
    --Guimarães Rosa

Análise de Sagarana

O livro de estréia de Guimarães Rosa escrito em 1946, já mostrou as inovações que o autor realizou,como por exemplo ,a originalidade da linguagem pelo o uso de neologismos(palavras inventadas)como o próprio nome do livro:Saga quer dizer canto heróico e rana espécie de.Logo Sagarana significa espécie de um canto heróico.Além disso Sagarana e outras palavras são inventadas a partir do hibridismo,ou seja,a junção de radicais de línguas diferentes
Sagarana é composto por nove contos,a maioria narrado em terceira pessoa.É um livro que já mostra o regionalismo de Rosa,pois trata do sertão mineiro,o povo, a jagunçagem,da religiosidade e o amor,que remete á cidade natal do autor,Cordisburgo,onde o autor sairá do regionalismo padrão da segunda geração modernista,para migrar á um regionalismo novo,com a fusão entre o neologismo e linguagem popular.Sagarana apresentará sertão universal,onde seus personagens terão crenças e reflexões psicológicas acerca do existencialismo da vida e de temas ambíguos como o real x mágico.O livro contém epígrafes,ou seja,um resumo logo na abertura do capítulo contento provérbios e cantigas do sertão mineiro.
Todas as características de Sagarana são apenas um aperitivo,já que elas seriam bem aprofundadas nas obras posteriores de Guimarães Rosa,como o Grande Sertão:veredas.

Entrevista com o vaqueiro Zito,que acompanhou Rosa durante sua viagem pelo sertão de minas,mato grosso e Bahia,que durou 10 dias


A influência de Rosa

A genialidade da maneira de tratar o regionalismo, e principalmente, o uso de neologismos foram responsáveis para que muitos autores fossem influenciados por Rosa: um deles é Mia couto,poeta moçambicano que utiliza linguagens cotidianas e tendências temáticas(valorização dos seres)muito influentes de João Guimarães rosa
Segundo Couto, o grande trunfo de Rosa foi justamente não ter sido escritor, mas ter apenas visitado a literatura, deixando-se dissolver pelo mundo da oralidade. O moçambicano destaca a influência do escritor brasileiro sobre uma geração de autores de língua portuguesa e declara que Rosa instiga infinita sugestão em sua alma.
O Sertão de Guimarães Rosa seria um mundo construído na linguagem. "Ele (Guimarães Rosa) escreveu como se fosse o próprio sertão", afirma o moçambicano. Tal processo de construção de um lugar fantástico permitiu ao brasileiro alcançar o sentido sugerido pela palavra em si: ser-tão, existir-tanto.
Segundo Mia Couto, a idéia de recriar, dentro da língua portuguesa, uma outra língua culturalmente remodelada, concretiza a possibilidade de mediação entre classes cultas e simples por meio da fala. "Somente renovando a língua se pode renovar o mundo", conclui